Uma amiga muito querida (Renata Zambelli Carletti) deu essa dica super legal - uma história para contarmos para as crianças que fala sobre ser egoísta.
Adorei a história e estou compartilhando, porque vale a pena.
Todas as tardes, quando vinham da escola, as
crianças iam brincar para o jardim do Gigante. Era um jardim grande magnífico,
coberto de relva macia e verde. Aqui e ali despontavam flores lindas como
estrelas e havia doze pessegueiros que, com a chegada da Primavera, floresciam
em tons de cor-de-rosa e pérola e, no Outono, ficavam carregados de esplêndidos
frutos. As aves pousavam nas árvores e cantavam tão suavemente que as crianças
interrompiam os seus jogos para as ouvir.
- Que bem que se está aqui! -diziam umas às
outras.
Um dia, o Gigante regressou. Tinha ido visitar
o seu amigo, o Ogre [1] da Cornualha, e demorara-se por lá sete anos. Ao fim de
sete anos, tinha dito tudo o que havia para dizer, porque a sua conversa era
limitada, e decidiu voltar ao castelo. Quando chegou, viu as crianças a brincar
no jardim.
- Que fazeis aqui? -gritou ele, com voz
severa.
E as crianças fugiram.
-Este jardim é muito meu – sentenciou o
Gigante.
-Que todos o fiquem sabendo. Não consinto que
ninguém venha para aqui divertir-se a não ser eu próprio.
Ergueu então um muro muito alto a toda a volta
do jardim e afixou nele o seguinte aviso:
É proibida a entrada Os transgressores serão
castigados.
Era muito egoísta este Gigante. Agora as
pobres crianças não tinham onde brincar. Tentaram brincar na estrada, mas havia
muita poeira e pedras grossas, o que não lhes agradou. Depois das aulas,
vagueavam à roda do muro, conversando sobre o belo jardim que existia do outro
lado.
- Como éramos felizes lá dentro! -comentavam
entre si.
Chegou então a Primavera e por todo o lado
havia flores e chilreavam avezinhas. Só no jardim do Gigante continuava o
Inverno. As aves não lhes apetecia ir lá cantar porque não havia crianças e as
árvores esqueceram-se de florir. Um dia, uma linda flor ergueu a cabeça acima
da relva, mas, quando viu o aviso, teve tanta pena das crianças que se sumiu de
novo na terra e adormeceu. Os únicos seres satisfeitos eram a Neve e a Geada.
- A Primavera esqueceu-se deste jardim!
-exclamavam elas. - Por isso, podemos ficar aqui todo o ano.
A Neve cobriu a relva com o seu imenso manto
branco e a Geada pintou de prata todas as árvores. Convidaram depois para viver
com elas o Vento Norte que aceitou o convite. Estava envolto em peles e rugia
todo o dia pelo jardim, derrubando as chaminés.
- Que lugar admirável! -disse ele. -Temos de
convidar também o Granizo.
E, assim, veio o Granizo. Diariamente, durante
três horas, rufava[3] nos telhados até partir a maior parte das ardósias[4] e
corria, depois, pelo jardim, o mais depressa que lhe era possível. Vestia de
cinzento e tinha um hálito frio como gelo.
- Não percebo porque é que a Primavera tarda
tanto -pensava o Gigante Egoísta sentado à janela a olhar para o seu jardim
branco de neve.
-Espero que o tempo melhore.
Mas a Primavera nunca veio e nunca veio o
Verão. Com o Outono, chegavam frutos maduros a todos os jardins, menos ao do
Gigante.
- O Outono é muito egoísta, -considerava o
Gigante, enquanto o Inverno reinava no seu jardim e o Vento Norte, a Geada, o
Granizo e a Neve dançavam por entre as árvores.
Uma bela manhã, estava o Gigante ainda
deitado, mas já desperto, quando ouviu uma música encantadora. Soava tão
docemente aos seus ouvidos que supôs serem os músicos do rei que passavam. Na
realidade, era apenas um pintarroxo que lhe cantava à janela; mas havia já
tanto tempo que não ouvia o canto dos pássaros no seu jardim que aquilo lhe
pareceu a música mais bela do mundo. Então o Granizo deixou de rufar-lhe nos
telhados, o Vento Norte deixou de rugir e chegou-lhe, pela janela aberta, um
perfume delicioso.
- Parece que a Primavera chegou, finalmente!
-exclamou o Gigante, saltando da cama e olhando para o jardim. E que viu ele?
Viu um espectáculo deslumbrante. Por um buraco pequeno no muro, as crianças
tinham passado para o jardim e estavam empoleiradas nos ramos das árvores.
Havia uma criança em cada árvore. E as árvores ficaram tão contentes com o
regresso da pequenada que de novo se cobriram de flores e agitavam suavemente
os ramos sobre as suas cabecitas. As aves esvoaçavam e chilreavam alegremente,
as flores, por entre a relva, espreitavam e riam. Era um espectáculo encantador
e só num recanto do jardim permanecia ainda o Inverno. Ali estava um miúdo tão
pequeno que não conseguia trepar à árvore e andava de um lado para o outro,
chorando amargamente. A pobre árvore continuava cheia de neve e geada; por cima
dela ainda soprava e rugia o Vento Norte.
- Sobe, meu menino -disse a árvore, inclinando
os ramos o mais que podia, mas a criança era pequenina demais. O coração do
Gigante enterneceu-se, ao olhar lá para fora.
-Tenho sido tão egoísta! -reconheceu ele. -
Agora percebo a razão por que a Primavera não aparecia. Vou pôr o rapazinho em
cima da árvore e depois vou derrubar o muro. O meu jardim será, para sempre o
lugar de recreio das crianças.
Estava realmente arrependido do que tinha
feito. Desceu então a escada, abriu a porta devagarinho e chegou ao jardim. Mas
as crianças, ao vê-lo, fugiram aterradas, e o Inverno voltou ao jardim. Só o
rapazinho não fugiu, porque tinha os olhos cheios de lágrimas e não se
apercebeu da chegada do Gigante. O Gigante, aproximando-se cautelosamente,
pegou-lhe com todo o carinho e pô-lo em cima da árvore. Logo a árvore se encheu
de flores, vieram pássaros cantar e o rapazinho, estendendo os braços para o
Gigante, abraçou-o e beijou-o. As outras crianças, quando viram que o Gigante
já não era mau, voltaram a correr; e com elas voltou a Primavera.
- Agora, este jardim é vosso, meus meninos!
-declarou o Gigante.
Pegou então numa picareta enorme e derrubou o
muro. E, ao meio-dia, as pessoas que iam para o mercado viram o Gigante a
brincar com as crianças no mais belo jardim que jamais tinham contemplado.
Brincaram todo o santo dia e, quando a noite chegou, foram despedir-se do
Gigante.
- Onde está o vosso companheiro? -perguntou
ele. -Aquele que eu pus em cima da árvore. O Gigante gostava muito dele porque
o tinha beijado.
- Não sabemos nada dele -responderam as
crianças. -Foi-se, embora.
- Se o virem, digam-lhe que não falte amanhã.
As crianças responderam que não sabiam onde ele morava e que antes nunca o
tinham visto; e o Gigante ficou muito triste.
Todas as tardes, ao saírem da escola, as
crianças vinham brincar com o Gigante. Mas o rapazinho de quem o Gigante mais
gostava não voltou a ser visto. O Gigante era muito bondoso para todas as
crianças, mas suspirava pelo seu primeiro amiguinho e falava dele muitas vezes.
Gostava tanto de o tornar a ver! -repetia ele. Passaram os anos e o Gigante
envelheceu e enfraqueceu muito. Como já não podia brincar, sentava-se numa
poltrona enorme a ver brincar as crianças e a admirar o seu jardim.
- Tenho muitas flores bonitas -dizia - , mas
as crianças são as mais bonitas de todas.
Certa manhã de Inverno, enquanto se vestia,
olhou pela janela. Agora já não odiava o Inverno porque sabia que era apenas a
Primavera adormecida e que as flores repousavam. De repente, esfregou os olhos
de espanto, olhou e tornou a olhar. Era, sem dúvida, um espectáculo
maravilhoso. No recanto mais afastado do jardim, estava uma árvore
completamente revestida de flores alvacentas[5]. Eram áureos os ramos e
argênteos[6] os frutos que dela pendiam. E debaixo da árvore estava o rapazinho
de quem ele tanto gostava. Cheio de alegria, o Gigante desceu apressadamente a
escada para chegar ao jardim. Atravessou rapidamente a relva e aproximou-se do
pequenino; mas, ao vê-lo, ficou vermelho de cólera.
- Quem se atreveu a magoar-te? -perguntou,
vendo feridas de pregos nas palmas das mãos e nos pés do pequenito.
- Quem se atreveu a magoar-te? -gritou o
Gigante. -Diz-me sem demora e vou já matá-lo com a minha espada.
- Não -respondeu a criança -, estas são as
feridas do Amor.
- Então quem és tu? -quis saber o Gigante,
sentindo-se invadido por um estranho sentimento e ajoelhando-se diante da
criança.
Esta sorriu e respondeu:
- Um dia, deixaste-me brincar no teu jardim.
Hoje, virás comigo para o meu, que é o Paraíso. E, nessa tarde, quando as
crianças correram para o jardim, encontraram o Gigante morto, debaixo da
árvore, e todo coberto de flores alvacentas.
Oscar Wilde
ola
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